Olá, caros leitores! Começa aqui nossa jornada crítica.




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Nosso primeiro desafio:


O grupo de crítica teatral formou-se do curso ministrado pelo mestre Kil Abreu na Escola Livre de Teatro de Santo André, em 2008 e 2009. Ao darmos prosseguimento em nosso aprendizado decidimos atuar com o teatro de grupo e companhias que mantenham um trabalho de experimentação, pesquisas e a discussão da linguagem cênica como um fator dinâmico e desafiante. Esse pressuposto pretende corresponder com nossa intenção de propor uma investigação crítica das obras artísticas no seu potencial de produzir conhecimentos. As nossas ferramentas de acesso são dadas por cada evento teatral que nos sugere seguir e respeitar a natureza do fenômeno pelo “o que é” e não pelo “o que poderia ser”. O juízo de valor também se fará presente, pois não somos imparciais, mas nos preocuparemos com a aproximação dialética frente às problemáticas de relação forma e conteúdo. Tentaremos não responder, mas perguntar. Para isso a nossa forma de argumentação crítica precisa ser experimentada e novos problemas precisam surgir.

Críticas da peça





















Por Beta Nunes
abril/2010

Em rio de águas pouco profundas, o melhor a fazer é manter-se na superfície. O espetáculo “Jardim Inverso” é um desses casos em que a profundidade é uma busca não realizada, no qual o espectador é convidado a fazer um mergulho que depois se revela impossível. Formado por três peças curtas em que aparentemente uma nada tem a haver com a outra, encontramos, no espetáculo, um ponto em comum: brincar de coisa séria levando a sério a brincadeira. O único problema é que, neste caso, a leveza da brincadeira sobrepuja os temas que oscilam entre o valor da vida e da morte.

A primeira peça, “Sobre a vida, a morte e alguns trocados”, trata da solidão, do encontro, do tempo circular, o sem começo e o sem fim. Para isso parte de questões religiosas até chegar ao desenho animado “A caverna do dragão” da mesma maneira que uma pessoa atravessa a rua na faixa no sinal aberto para pedestre, isto é, sem correr riscos. Nada nem ninguém naquele momento está na beira do abismo. O ator, as personagens e o público, apesar de se encontrarem num espaço em que a penumbra, efeito da experimentação da iluminação descentralizada, poderia causar insegurança e receio, flutuam em águas rasas. Isso porque o encontro entre a prostituta e seu cliente ao tocar na questão contemporânea de quantas coca-colas temos de pagar para não nos sentirmos sozinhos, é solapado repentinamente por uma fala mais rápida, por uma profusão de ruídos, por um gesto teatral, mas descontextualizado. Esses recursos cênicos aliados à dramaturgia frágil, que tenta uma experimentação da linguagem ao se propor uma não linearidade do tempo, acabam por distanciar a platéia desse universo de pouca esperança e muita solidão, o que resulta numa promessa que não se cumpre.

O que interessa na segunda peça, “O Maravilhoso circo vicioso”? A discussão sobre a inclinação do homem em transformar o hábito em vício? Ou o retrato da capacidade de banalizarmos a vida e a morte? Há indícios, os quais acabam não se desenvolvendo, de que a cena vai tratar dos meandros escuros que habitam cada ser humano, tentando trazer essas sombras à tona, por intermédio de um jogo cênico marcado pela troca de registros interpretativos, muito bem executados pelos atores. Num cemitério, dois seguranças discutem se devem ou não matar o assassino do patrão. Através de um diálogo engenhoso, recheado de saídas criativas apoiadas no potencial de cada palavra, e de uma iluminação que busca ser essencialmente a sua própria dramaturgia, a encenação não consegue chegar plenamente no seu propósito. Talvez a premência do texto curto ou o foco maior na experimentação não deixassem espaço para uma imersão maior no indecifrável instinto animal do homem, matar ou deixar viver.

Novamente a morte se interpondo à vida é posta em cena e, mais uma vez, sem a contundência que o assunto merece. O conflito de “Interferência”, peça que encerra o espetáculo, está na discussão de um casal que interrompe uma viagem que estava fazendo para ir à festa de aniversario do pai da moça porque o namorado quer voltar a fim de enterrar um tio repentinamente morto. O que deveria evidenciar posições filosóficas e éticas sobre esses dois extremos que podem um dia se tocar, a festa que celebra o nascimento e o ritual de morte, torna-se uma discussão quase banal das idiossincrasias de cada personagem. Nessa construção dramatúrgica, a mulher acaba levando a pior, por ser mais intolerante, apresentando argumentos nada consistentes para desvalorizar a atitude de seu par. O namorado, personagem mais bem construído, não tem antagonista à sua altura, o que acaba por deixar a tensão um pouco frouxa. Ele não tem como contra-argumentar considerando a exigüidade dos estímulos.

Elemento fundamental para dar unidade cênica a textos díspares, a luz ocupa em “Interferência” um lugar também especial: como nas outras peças, os atores são parcamente iluminados por uma luz fragmentada. Tal recurso deixa clara a pesquisa estética, mas a pouca luz incomoda o espectador, que demora a se acostumar a quase não ver. Principalmente porque, como apontando acima, alguns trechos do texto são falados rapidamente, o que faz com que, às vezes, não seja possível nem ver nem escutar.

“Jardim Inverso”, apesar de ser um espetáculo de enormes potencialidades não realizadas apresenta um projeto extremamente importante e inovador para os quadros atuais da cena paulistana: a proposta de três dramaturgos de encarnarem a função de produtores, convidando a um diretor para montar os seus textos. Por isso, se encararmos que estamos vendo um espetáculo teatral íntegro sim, mas que faz parte de um projeto maior, ainda em processo, não temos porque não aplaudir de pé a iniciativa.

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Por Antonio Duran

Jardim alude ao lugar onde se planta e cultiva, e inverso, a coisas contrárias, opostas, digamos assim, ao estabelecido. Nesse sentido, “Jardim Inverso”, espetáculo composto por três peças curtas, mostra querer fertilizar o teatro com modos não-convencionais, como por exemplo, dispensar um sentido ou moral da história, como frisou a fala de um dos personagens da primeira peça. Direcionamento que apareceu na desconstrução da interpretação naturalista: que destacou alguns gestos formalizados e ações físicas; na iluminação “minimalista” e manipulada pelos atores; na sonoplastia trazida à “primeiro plano” e protagonizada pelo elenco. A proposta de se arriscar e apresentar ao público uma inversão estética, contrapondo o gosto médio vigente para o realismo, é enaltecedora e instigante, como também é a iniciativa da parceria entre o Pessoal do Faroeste e o Centro de Dramaturgia Contemporânea (CDC) para a encenação de textos de novos dramaturgos. Ao assumir riscos, o espetáculo parece juntar propostas de ruptura que acabam se sobrepondo ao texto, diminuindo sua capacidade de comunicar. Esses procedimentos epicizantes reduzem do espectador a possibilidade de se mobilizar, de se deixar envolver. Este sentido de mobilização refere-se aos mais variados modos de se manifestar a fricção entre emoção e razão, entendida aqui como atividade emocional-reflexiva que apóia a criação da interpretação da obra. Nota-se esse tratamento distanciador nos vários elementos que compõem o espetáculo: na atuação, alguns gestos formalizados e falas demasiadamente rápidas e intensas, principalmente dos dois seguranças da segunda peça; na sonoplastia que chamava a atenção pra si ao mesmo tempo em que a afastava da ação. No caso da iluminação, esta pareceu travar diálogo pertinente com os espaços pouco iluminados (bar-boate, cemitério e acostamento de uma estrada ao entardecer) onde se passavam as histórias. Luz inventiva, por “minimalista” e enigmática, provocou incômodo pela dificuldade de se observar as expressões dos personagens, principalmente da atriz da primeira peça. Ao mesmo tempo, despertou a vontade de decifrá-la e estabelecer possíveis nexos com os conteúdos apontados pelos textos. O que não se efetivou.

Ficam no ar algumas interrogações a serem levantadas sobre possíveis relações entre texto e cena, forma e conteúdo. Os temas tratados se mostraram instigantes, principalmente porque engendrados habilmente em criativas situações inusitadas. Na peça “Sobre a vida, a morte e alguns trocados”, trava-se um diálogo entre uma garota, que viveu muito tempo sob um falso moralismo puritano-religioso e que recentemente se vê diante da possibilidade de ser dona do seu próprio desejo perante um jovem aparentemente amoral e crítico de uma realidade “que corrói a gente” e que parece defender o lado mais fantasioso e ficcional da vida.

No contexto de um acerto de contas por um assassinato, na segunda peça “O maravilhoso circo vicioso”, revela-se o dilema ético, de cumprir ou não o combinado, passando pela discussão sobre a existência de deus, e expondo a imagem de um ser humano refém dos seus hábitos, dos seus vícios. Seja por fumar ou matar.

Na última peça “Interferência” a exaltação da vida, por um lado, e a necessidade do cumprimento de um ritual-homenagem, por outro, levantam a questão do confronto entre a realidade e a fantasia, assunto que se coloca novamente como na primeira peça.

Por fim, esses potentes temas levantados deixam a impressão de que foram interrompidos abruptamente (talvez propositadamente), deixando o desejo de maior aprofundamento; como no delicado dilema vivenciado pelo personagem Vitor na peça “Interferência”, que parecia tentar encontrar, pelo diálogo, um significado, um sentido para ir ao enterro do tio. Esse desenvolvimento é repentinamente chaveado para as pirraças da namorada. A argumentação, que poderia revelar uma suposta profundidade dos personagens, foi trocada pela exposição unilateral, e ao mesmo tempo estereotipada, do temperamento imaturo de Marina.

Esta versão crítica tentou minimamente (consciente que ficou aquém) exercitar a exploração de sentidos e travar diálogo com o objeto artístico “Jardim Inverso” naquilo que ele tem de melhor: experimentar e encarar riscos.

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Por Rogério Guarapiran

Jardim Inverso, qual seria o enigma por trás?, como seria um jardim invertido? O jardim é uma forma de controlar e organizar a natureza, uma cultura, uma ação sobre o desordenado e selvagem estado. Inverter a lógica do jardim seria intervir o menos possível, exercer o menor controle e o desenvolvimento seria a auto revelia propiciando a libertação dos elementos organizados.

O Centro de Dramaturgia Contemporânea, com Luis Eduardo, Drika Nery e Dênio Maués, estréia seus trabalhos a partir de um modelo de produção corajoso e instigante. A peça é composta por três cenas autônomas, mas que se coincidem pela essencialidade do diálogo ágil e ações urbanas, também um pouco pela inconclusão das histórias.

A iniciativa dos autores se envolverem na produção geral do espetáculo e convidarem o encenador Paulo Faria (também dramaturgo), garante-lhes a chance de um aprendizado efetivo das dificuldades extra-literárias da montagem e o acompanhamento da apropriação do texto pela encenação e atores. Esse processo é por si uma relevância e resistência num cenário de escassíssimas empreitadas para encenar dramaturgias contemporâneas e mostra-nos uma estratégia a ser assimilada e aperfeiçoada.

Ao encerrar a peça tive a impressão de ter enfrentado uma grande quantidade de interferências, ruídos, quebras, teatralidades que competiam com a concentração que os diálogos pareciam exigir. Mas consegui me divertir com algumas piadas sobre as circunstâncias inusitadas que envolvem as personagens, e achar bem interessante como cada cena cria seus propósitos para divagar sobre conteúdos universais: a vida, a morte, deus, a solidão, o trabalho, etc. Então aquela profusão de impedimentos e interrompimentos são por certo intencionais. Seriam essas barreiras impedimentos para não nos indentificarmos com as personagens e despertar nosso “racional” mesmo quando os conteúdos de cada cena apontam para os aspectos “irracionais” das relações, e possuem um diálogo enviesado que dificulta a empatia?

A montagem, em sua primeira temporada, possuia um flerte com o cabaré, isso era nítido no primeiro local que foi encenada, no espaço Next, um estilo rápido e irônico caía bem na combinação da descontração do espaço, a luz tinha mais caráter de arranjo harmonizado com o local, misto de precário e exótico. Em cartaz na sede Faroeste Luz, o espaço apesar da profundidade deixou a peça mais chapada na relação com o público e tendeu ao adensamento da forma, ao que não correspondeu a concepção de todos os níveis, os textos pareceram carecer de aprofundamento, e a encenação ligeira e amaneirada disparatou, chamando atenção para coisas assignificantes, a luz ficou mais bonita e esteticamente colocada, mas dissonava com o estilo de interpretação entulhada de registros farsescos e gestos aleatórios.

Voltando a pensar aos óbices da encenação, no percurso de cada dramaturgia e na ligação do todo, eles podem ser provocadores ou simplesmente atrapalhar e chatear nossa disposição de viajar junto com as propostas imaginativas dos autores. Minha hipótese crítica seria tentar agora achar brechas nos textos, encenação, interpretação e elementos de cena que nos permitissem ser mais co-participativo e menos contemplativo.

Na primeira cena “Sobre a vida, a morte e alguns trocados”, de Luis Eduardo destaca-se a condensação temporal do encontro entre um homem e uma mulher num bordel, sem cortes, várias noites se sucedem e a sensação linear esconde um processo fragmentado. Possui alguns conteúdos latentes sobre a circularidade e repetição da compulsão humana, deixa a impressão de retorno, as falas apontam metáforas para vislumbrar o desejo pelo inacabado, mas o diálogo não é a própria forma, apenas fala sobre o mistério, o seu desvio é sua incontinência através de historietas da caverna do dragão que subterfugiam o parafuso de rosca infinita que a estrutura anuncia. O sombrio das luzes mínimas pretende dar conta do enigma que há no encontro e sobre o que cada personagem procura no outro, seria a parcela de desconhecimento e impossibilidade de alcançar o desejado.

A segunda “O maravilhoso circo vicioso”, de Drika Nery, divide a tensão entre o dizível e o visível, em nosso campo de visão estão dois seguranças que cercam um assassino; e a expectativa do fora, o encurralamento de quem só sabemos por dizer. A sugestão pelo “circo vicioso” implica um registro clownesco onde as identidades antagônicas provocam-se e equivocam-se num jogo escalar para o atraso do desfecho. Nesse registro de linguagem, historicamente difundido, a carga está nos atores que precisam dominar o tempo e o jogo na assimilação da resposta imediata do público, exige desenvoltura de comediantes. O diálogo é fluente e chistoso, deixa a impressão de uma HQ com pretensão cômica e trapalhonesca. Aqui a luz surge de uma enxada um tanto esdrúxula, por que a relação dela com a cena parece mais uma estetização do precário e rústico instrumento naquela função. Cheguei a pensar que podia ser uma pá, seria pelo menos um instrumento que se relacionasse com o cemitério, onde se passa a cena.

Na terceira “Interferência”, de Dênio Maués, ressaltaria um processo mais cinematográfico, o casal na beira de estrada discute sobre uma questão que os divide e depois um salto temporal e espacial reencontramo-los a discutir as conseqüências de suas decisões, esse passe faz nossa percepção tentar amarrar as duas pontas do abismo premeditado. O fluxo do diálogo é bem realista e os embates revelam caráter psicológico de cada personagem, divididos pela vida e morte, essa particularização de composição de personagens parece ser uma metáfora para alicerçar o dualismo dos temas. Porém o que parecia concreto e pedia um desenvolvimento racional pelo menos nas idéias se desmancha perdido nas ondas de um rádio. A volatilização do pensamento da personagem feminina prejudica o embasamento que a cena apontava, e mistifica o problema o desfecho alienando-se do fulcro do nosso destino.

Na interpretação as rápidas execuções dos atores escalpelaram o silêncio qualquer que fez falta para manter a capacidade de irmos junto ou mesmo distanciado com as ações, conseguiram deixar alheado o espectador com a forma apressada de interpretar.Não seria o efeito do alheamento um sintoma de subestimação do poder co-participativo do espectador? Os gestos construídos não formavam linguagem, o gesto construído, signos do corpo, não tinham conectivos, morriam ao nascer e disputavam aleatoriamente a significação sem paralelo no interior de cada cena. Uma linguagem se constitui pela repetição criativa de um finito número de elementos. Quando se articula gestos e sons de qualquer origem temos só gestos e sons sem sentido.

É da encenação uma componente histérica que faz mudar registros de corpo, voz, caráter e linguagem teatral, esse disparatado jogo de códigos aparece como comentário-deboche frente a conteúdos dos textos. Descredibiliza qualquer pretensão de discussão desses conteúdos. Exigi-se do espectador seriedade e concentração para limpar essas oscilações que são mais alterações de superfície, impulsos epidérmicos de transformações do que um mergulho na investigação sobre correspondência texto-cena. O uso do utilitário do baú de referências de jogos teatrais resvala anedoticamente nas potencialidades descritas, que considero linhas de força da dramaturgia. Agora, a tarefa de limpar-se desse jogo frenético pode ser produtiva se conseguirmos entrever caminhos que nos entregue a especulação proposta em cada cena.


* Mais informações sobre o Trabalho analisado acessem os link’s:

http://pessoaldofaroeste.blogspot.com/2009/11/jardim-inverso.html

http://centrodedramaturgiacontemporanea.blogspot.com/






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