Olá, caros leitores! Começa aqui nossa jornada crítica.




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Nosso primeiro desafio:


O grupo de crítica teatral formou-se do curso ministrado pelo mestre Kil Abreu na Escola Livre de Teatro de Santo André, em 2008 e 2009. Ao darmos prosseguimento em nosso aprendizado decidimos atuar com o teatro de grupo e companhias que mantenham um trabalho de experimentação, pesquisas e a discussão da linguagem cênica como um fator dinâmico e desafiante. Esse pressuposto pretende corresponder com nossa intenção de propor uma investigação crítica das obras artísticas no seu potencial de produzir conhecimentos. As nossas ferramentas de acesso são dadas por cada evento teatral que nos sugere seguir e respeitar a natureza do fenômeno pelo “o que é” e não pelo “o que poderia ser”. O juízo de valor também se fará presente, pois não somos imparciais, mas nos preocuparemos com a aproximação dialética frente às problemáticas de relação forma e conteúdo. Tentaremos não responder, mas perguntar. Para isso a nossa forma de argumentação crítica precisa ser experimentada e novos problemas precisam surgir.

Críticas da peça









Por Rogério Guarapiran
06/07/2010


Este é um exercício de memória esquecida. Baseado na impressão de uma única audiência à representação da peça “In on It” no teatro Faap em meados de março de 2010. Incorro no risco de equívocos e observações obsoletas, mas por outro lado confio na decantação lenta da matéria artística pela experiência e pelo próprio esquecimento ou esmaecimento das imagens.
Neste ponto distante a que me reencontro com o objeto a ser analisado deixo de fora quaisquer descrições objetivas da cena, sinopses, julgamentos de quesitos técnicos da atuação, direção, cenografia, iluminação, etc. Começo a reflexão como saí da peça depois da representação: sem saber a recontar a história e sem saber se isso era uma prerrogativa para o entendimento ou envolvimento com a cena. Com alguma certeza havia no meio da narrativa um relacionamento de companheiros e amantes em que se discutia passagens da vida conjugal. Fiquei preso ao jogo ágil dos atores e à complexidade da dramaturgia que envolvia nossa percepção num quadro fragmentado e de forma polivalente as narrativas se moviam. Era bem claro também a reflexão do papel de cada um dos atores se pensando enquanto personagens e ficção.
A metalinguagem e sobreposições de realidades faz contorcer a imaginação, essa dupla articulação é proposta essencial da dramaturgia e consegue uma teatralidade muito instigante, a capacidade de abrir uma fenda crítica em meio a linha dramática do desenvolvimento da história. Na intenção de mesclar narrativas de momentos paradoxais com diálogos presentes existe uma atitude dramatúrgica aberta que consiste em “construir-se na frente de todos”, trazer ao primeiro plano da ficção as reflexões de como escrever, de como contar e colocar as dúvidas em ação. O dramaturgo é uma força presente e discutida em palco, revela sua concepção, não é um Deus de marionetes, suas criaturas criam a sua revelia, insurgentes da cena, transmitem a sensação de como podemos ser insurgentes contra nossos próprios desígnios, ações e maleitas da vida; tomar a reflexão da vida para a potência de criatividade no momento adverso, signos da não acomodação, da nossa luta perdida contra o fugaz, mas sempre luta.
Tal parece força da dramaturgia através do vigor da encenação e atuação que se apresentam como construtores de bifurcações. Assim como o desafio para o ator de procurar uma dezena de intenções diferentes para uma oração ou período da frase, a direção promoveu a imagem simples de um diálogo a partir de planos diferentes, abriram a cena para caminhos abismais para nossa imaginação, coisas e possibilidades que pensei nos lapsos de segundos talvez nunca mais me lembre, mas fica a sensação que pude entrever uma miríade de possibilidades. As nuances entre o plano da ação presente e as quebras dos atores produziam uma qualidade simultânea de interação e contemplação, solicitados que éramos de atualizar e nos situar perante a representação e jogo dos atores. Como essa qualidade da cena é capaz de ativar e mobilizar áreas imobilizadas da nossa tela mental? Ao ponto que essa narrativa foge às formas prontas de condução narrativa televisiva e cinematográficas, e ao ponto dessa qualidade ser dinâmica e apreensível com esforço alcança uma essencialidade teatral de movimentar imaginações.
A essencialidade da cena é o que restabelece a força e a especificidade do teatro. Criar na imaterialidade das coisas, fazer coisas invisíveis se tornarem visíveis, crer no irreal, imaginar sem imposição, trabalhar para transcender o espaço. O espaço vazio é o ideal de limpar nossas cabeças das pré-concepções ou por em contestação o caminhão de entulho que carregamos para situar e encaixotar os agentes dessa ação. As narrativas são indicações, indícios, pistas de como podemos construir nossos cenários, assim como as reconstituições da cena que nos situam ora num restaurante, num apartamento, numa quadra de tênis e outros, apenas com contornos sugestivos, o entorno é por nossa conta e risco, e aí estamos num lugar muito especial para a atividade de espectador, realmente estamos em situação, responsável pela qualidade de visão e produção imaginativa a partir da instigação cênica dessa obra.


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Por Antonio Duran

É pouco provável sair indiferente de “In On It”. Um teatro contemporâneo potente, realizado no espaço convencional da “caixa preta”, que condensa o texto do autor canadense Daniel Maclvor, a encenação de Enrique Diaz, a iluminação de Maneco Quinderé e as atuações de Emílio de Mello e Fernando Eiras. A direção de Enrique Diaz, diferente de outras experiências anteriores de desconstrução de obras clássicas, como por exemplo, a “A gaivota” de Tchekhov e “Hamlet” de Shakespeare, dessa vez encontrou um texto já desconstruído e se concentrou no essencial: na cumplicidade dos atores entre si e com o público, bem como na afinação da cena com o desenho de uma iluminação primorosa que materializa os mais diversos ambientes, e que desempenha papel narrativo preciso de contar as histórias juntamente com os atores.

Ao todo, uma experiência estética que exercita a sensibilidade e privilegia a relação com o espectador, colocando-o como “protagonista”. Por um lado, um exercício previsível que alcança as expectativas mais reconhecíveis do imaginário estético vigente: da identificação ilusória com os conflitos dos personagens; da mobilização emocional em momentos de tom melodramático. Por outro, um exercício imprevisível, motivado por uma sensação de incógnita, que excita a imaginação, especialmente em decifrar o que é representação e improviso; ou em criar sentido para as diferentes camadas narrativas que se entrecruzam.

Estabelece-se em cena um jogo, que atrai e distancia o espectador entre o que se apresenta como familiar e incógnito, e que dialoga constantemente com o conteúdo da obra. A forma interrompida, permeada por “pequenos finais”, traduz o tema reconhecível da morte, presente na trajetória do personagem que se despede dos seus vínculos afetivos a partir da consciência da morte iminente; ou no processo de separação de uma relação amorosa entre duas pessoas.

O tema do “fim” “transpira” por toda a estrutura de “In On It”, e esta relação passa a constituir o “todo” a ser apreciado. Se, por um lado, é possível considerar essa operação complexa para o exercício da sensibilidade, pois desconhecida, de outro, pode ser facilitada, pois familiar, principalmente se levarmos em conta a existência de certo tipo de sensibilidade urbana contemporânea, acostumada aos procedimentos de colagem e edição da linguagem televisiva e cinematográfica, bem como ao modo fragmentado, e por vezes quase simultâneo, de se relacionar com, e pelo computador.

Nesse contexto, entende-se que “In On It” consegue formar público. Sua estrutura situa-se entre a cena dramática tradicional e a híbrida contemporânea, dando acesso ao espectador de experimentar outros modos de se relacionar com o teatro. Mescla registros convencionais com procedimentos experimentais, como por exemplo, a utilização astuta da metalinguagem: na passagem em que o personagem-autor é contestado sobre o comportamento recorrente de seus personagens femininos, que estariam alimentando um tipo de imaginário comum que vê as mulheres como “fúteis e pouco inteligentes”, abre-se ao público um questionamento sobre a pertinência das escolhas dramatúrgicas. Esse procedimento, além de expor um recurso metalingüístico que mostra o processo de criação de um texto, dialoga criticamente com o espectador e atiça sua curiosidade por exercer o mesmo olhar crítico sobre as histórias que lhe são apresentadas, e aos pressupostos de construção de um texto.

Neste sentido, entende-se que In On It é capaz de proporcionar ao público um tipo de prazer estético obtido por uma dupla mobilização, emocional e intelectual. Os elementos familiares “fisgam” o espectador e mantém sua atenção durante o percurso de criação: seja de nexos, de sentidos ou resoluções. Num jogo bem equilibrado entre o que se apresenta reconhecível e incógnito ao imaginário estético vigente, podendo tornar-se um novo ponto de partida para satisfazê-lo e ir construindo seu gosto.


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Por Beta Nunes

Existem diferentes públicos que freqüentam teatro, mas existem dois tipos bem marcantes, os que aos poucos vão se especializando na matéria e os diletantes, que por amor ao passatempo se dedicam às artes dramáticas. Em conseqüência disso, há também diferentes maneiras de se fazer teatro para corresponder a cada necessidade, principalmente para os dois tipos de espectadores acima citados. O primeiro promove um teatro mais experimental, de pesquisa, geralmente de grupo (no caso de São Paulo, pelo menos) sem maior interesse comercial, já o segundo como visa um grande público em que se acredita sedento de pura diversão e pouca arte, é uma produção mais comercial e quase sempre nada inteligente.

In on it é uma peça que pode interessar tanto aqueles que apresentam uma certa capacidade de avaliar criticamente o que vê, como àqueles que querem apenas ir ao teatro para se divertir. Isto porque a dramaturgia do canadense Daniel Maclover é capaz de realizar um equilibrio fino entre arte e entrenimento. O texto que traz a morte como tema central, é formalizado em cena em espiral, em camadas intermediadas por uma discussão do processo criativo de um autor e de atores -metalinguagem - pela história de uma relação que tem um fim trágico e o esgarçamento na maneira de contar essa história entre os acontecimentos do presente e o do passado.

Essa mistura de estruturas promove uma relação lúdica entre o palco e a platéia, fazendo com que ao mesmo tempo que o público se diverta montando um enorme quebra cabeça, pense sobre diversas coisas. A reflexão gira em torno de dois eixos essenciais, sobre o tema proposto, o fim, a morte e sobre a forma cênica vista. Nesse sentido a direção de Enrique Dias joga com o texto e com atuação dos dois atores para evidenciar o projeto artístico engendrado, qual seja, colocar o público como co-autor do espetáculo.

Para que essa proposta esteja em cena, as atuações de Fernando Eiras e Emílio de Mello dialogam o tempo todo com esse princípio, sendo construidas delicadamente em cima de pequenas gentilezas, atentas aos meandros profundos das intencões cênicas e textuais. Nada é perdido, nem um espirro da platéia, tudo entra em jogo.

Esses aspectos fazem de In on it um espetáculo único, pois o mergulho poético oferecido por dois atores quase desnudos no palco, onde tudo é mínimo, duas cadeiras, um casaco, dois copos de água, aliados a um texto que perpassa do lírico ao dramático olho a olho com o público, é feito nessas diferentes camadas fazendo com que a produção de conhecimento e a tomada de consciência das estruturas entrem em sintonia com o processo que desencadeia o prazer. Esses processos em conjunto, materializados em um mesmo evento teatral estão em contracorrente à cena atual, que ainda crê no discurso politizado, pedagógico, e por isso pouco atraente como único desalienante, onde o sujeito perde espaço para o coletivo. Feita como foi feita, a peça faz ver a fragilidade da vida e a fragilidade da arte como organizadora da atrocidade que é apenas existir.

Que história conta? Bem, esse é o tipo de peça que tem que assistir para saber, não porque apresente um grande mistério que se contado perde a graça, mas por apresentar um único mistério que é cada um ter seu próprio espetáculo compartilhado por todos.

In on it ao não endossar o vício ocidental de dicotomias, de antíteses inconciliáveis reúne num mesmo encontro iniciantes e iniciados para que todos juntos se tornem capazes de montar um grande e delicado espetáculo, pois sua principal característica é não ser isso nem aquilo.

* Mais informações sobre o Trabalho analisado acessem o link:

http://inonit.wordpress.com/

Um comentário:

  1. Muito bom ler os diferentes olhares sobre este espetáculo. Assisti apenas uma vez a tal, mas fiquei querendo repetir a experiência muitas vezes. É um grande trabalho e os textos críticos que publicaram aqui estão no mesmo nível. Parabéns, pipou!

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