Olá, caros leitores! Começa aqui nossa jornada crítica.




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Nosso primeiro desafio:


O grupo de crítica teatral formou-se do curso ministrado pelo mestre Kil Abreu na Escola Livre de Teatro de Santo André, em 2008 e 2009. Ao darmos prosseguimento em nosso aprendizado decidimos atuar com o teatro de grupo e companhias que mantenham um trabalho de experimentação, pesquisas e a discussão da linguagem cênica como um fator dinâmico e desafiante. Esse pressuposto pretende corresponder com nossa intenção de propor uma investigação crítica das obras artísticas no seu potencial de produzir conhecimentos. As nossas ferramentas de acesso são dadas por cada evento teatral que nos sugere seguir e respeitar a natureza do fenômeno pelo “o que é” e não pelo “o que poderia ser”. O juízo de valor também se fará presente, pois não somos imparciais, mas nos preocuparemos com a aproximação dialética frente às problemáticas de relação forma e conteúdo. Tentaremos não responder, mas perguntar. Para isso a nossa forma de argumentação crítica precisa ser experimentada e novos problemas precisam surgir.

Notas e Divagações sobre "Êxodos - Eclipse da Terra" do Galpão Folias D'Arte

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Por Rogério Guarapiran

Notas sobre a representação do Grupo Folias D’Arte: Êxodos.

Foi necessário um naufrágio para negar e resistir a um estado de coisas administradas pela lógica totalizante que transforma homem em mercadoria. O Êxodos é o fenômeno social de autopreservação realizado por etnias e povos em situação extrema de ameaça de extinção. Sobrevivência em massa, o risco e o sofrimento de partir para o desconhecido. Da antiguidade até os dias de hoje o fluxo desses povos, por causa de convulsões sociais como guerras, misérias, catástrofes, etc, atomizou-se. Indivíduos ou pequenos grupos fazem migrações e passam pelo mesmo sofrimento de um Êxodos bíblico, agora com uma sorte diversa e talvez até mais penosa, as fiscalizações legais e corruptas, a vigilância permanente, a barreira cultural, o excesso de informação que leva ao engano e todos os aparelhos repressivos de um estado conta o migrante marginalizado.

O grupo Folias insere esse trabalho em sua história de mais de 10 anos de maneira auto-reflexiva em relação a todo seu sistema de construção poética e política. Seus trabalhos sempre foram marcados pelo engajamento político e experimentos da linguagem cênica. Êxodos retrai a dimensão politizante mais visível em outros trabalhos, quando deixa pontos de vistas mais alienados narrarem-se a si próprios com limitações e fantasias, e assim expande a dimensão poética do espaço. A encenação e cenografia trabalharam elementos simples ao máximo, explorando objetos plásticos como uma bisnaga de tinta que usada pelo ator cria espaços, figuras e dimensões dentro da cena. A força dessa ação alarga a experiência da narração, gera um gestus diferente daquele que revela uma indicação da condição social da personagem; é um gestus do ator criador, metalinguagem de significado político muito mais claro que qualquer discurso. As imagens-sínteses das trajetórias foram mais comunicativas do que a construção do discurso falado, a dramaturgia coletiva e finalizada pelo dramaturgo ficou em contraste excessiva, não menos importante, mas redundava em meio a plasticidade cênica mais aberta e menos definidora.

A amarração poética através da narrativa do sonho traz as características do fragmentado e cenas sobrepostas. Na cena é conduzido pelo personagem Anjo e recorta de referências de Garcia Marques no seu realismo fantástico, passagens bíblicas, e citações eruditas e populares sobre o sentimento de despertencimento, deixam o nível da montagem numa alta complexidade de cruzamentos e intertextualidade. Mas devido a um trabalho técnico e intuitivo para amparar ao amplo material, a direção e os atores tiveram a preocupação de revelar o essencial nas trajetórias, embora alguns excessos de verborragia e teoria social fizesse perder o elo com o estado poético. O público nesta peça tem tratamento de personagem em meios aos acontecimentos, somos solicitados a revelar nossos sonhos, incitados a invadir o espaço e dialogar com as figuras, ao fim somos todos náufragos ou sobreviventes. Esse tipo de relação pretende ter o público como agente transformador da peça? Ou é uma forma de controle para convencer o público de que ele tem alguma importância na dramaturgia? O anjo narrador consegue envolver o público numa certa cumplicidade, mas outras personagens narram sua trajetória indiferentes, desfilam, dançam e sofrem sua paixão como uma via crucis.

A representação do Folias está dizendo para mim que a tragédia e sofrimento da movimentação humana pelo globo atravessa toda história se repetindo com algumas diferenças das ordens sociais que mais separa os indivíduos hoje do que os une como antigamente. A globalização pelo capitalismo desperta uma necessidade de circulação, promoção e valorização daquele que se faz my self. E sobre a aparência de livre mercado as pessoas se lançam na aventura do homem em trânsito vigiado.

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Por Antonio Duran

Divagações críticas da peça “Êxodos: o eclipse da Terra”

Em “Êxodos: o eclipse da Terra” surpreende a encenação constituída, destacadamente, pela força lírica de personagens alegóricos que sintetizam em suas trajetórias, entre a esperança e o cansaço, a ambivalente condição humana em busca de sua liberdade, muitas vezes formando quadros vivos que condensam esses sentidos como se fossem pinturas ou fotografias. A ambientação degradante, que remete à crueza das ferragens e ferrugens de um navio, juntamente com a utilização das cores, seja dos objetos, da iluminação, dos figurinos e dos materiais, especialmente as tintas utilizadas pelo personagem Esaú, compõem a potente atmosfera onírico-poética do espetáculo. Inspirada, especialmente, nas obras do fotógrafo Sebastião Salgado e do escritor Gabriel Garcia Marques, a obra realizada pelo grupo Folias D'arte traz à cena personagens que desejam desesperadamente partir, a bordo de um navio, em busca de um sonho, o que torna quase inevitável a pergunta: o que move as pessoas a se deslocar, a migrar? Será unicamente por que se vislumbram melhores condições de vida em outro lugar? Poderia ser a busca de uma paz gerada pela necessidade de pertencer a algo, ou de possuir uma identidade? Ou até mesmo uma estratégia, consciente ou inconsciente, de sobrevivência existencial que exige romper modelos culturais pré-estabelecidos? Por exemplo, toda vez em que se criam expectativas quanto a um determinado comportamento é necessário sair, fugir desse “lugar” de confinamento existencial? Talvez, entre tantas possibilidades, a necessidade da migração seja alimentada pela fantasia de que a mudança para um novo lugar consiga resolver questões existentes, como se ao transferi-las de lugar se pudesse solucioná-las, evitando assim, encará-las de frente?

Sem dúvida, esse exercício pessoal de divagações tributárias a “Êxodos: o eclipse da Terra” ressoa com seu tom onírico. Essas indagações abstratas mais amplas provocadas pelo espetáculo constituem um tipo de exercício intelectual prazeroso, que, no entanto, excita em demasia no espectador a sua esfera mental, mais distanciada, em detrimento de uma mobilização emocional, mais próxima, mais sensorial. A obra propõe um engajamento com o público: num primeiro momento uma viagem coletiva é incentivada pelo personagem anjo-narrador para que os espectadores embarquem numa viagem e tomem decisões juntos com ele. Cria-se então uma expectativa de participação de uma experiência que, mesmo quando a platéia é indagada sobre seus sonhos, ou presenciando de perto os depoimentos dos personagens, não se efetiva, deixando-a apartada do jogo experiencial proposto. Em Êxodos: o eclipse da Terra, a força das imagens poéticas e a intensidade de algumas atuações são insuficientes para atrair e colocar o espectador, seja por qual caminho for, pela via do familiar; do ilusionismo gerado pela identificação com os personagens, ou do seu contrário, pelo estranhamento, em contato com um sentimento mais profundo, talvez mais político, que faria juz à tradição do grupo, de sensibilizá-lo para uma situação social generalizada de não pertencimento, uma sensação de “se estar sem chão”. Destaca-se a exibição de vidas deslocadas que apontam para um mundo sem saída, e nos perguntamos se essa desesperança não vai de encontro a certo tipo de sentimento social antagônico, de um reavivado otimismo conjuntural em um novo ciclo sócio-econômino, impregnado, de certo modo, no imaginário social quanto ao futuro do país. Será que este choque de expectativas é suficiente para compreender a dificuldade do espetáculo em seduzir a percepção de um “espectador-de-uma-representação” para de um “espectador-vivenciador”? Questões que ficam...


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