Olá, caros leitores! Começa aqui nossa jornada crítica.




Olá, caros leitores! Começa aqui nossa jornada crítica.




Nosso primeiro desafio:


O grupo de crítica teatral formou-se do curso ministrado pelo mestre Kil Abreu na Escola Livre de Teatro de Santo André, em 2008 e 2009. Ao darmos prosseguimento em nosso aprendizado decidimos atuar com o teatro de grupo e companhias que mantenham um trabalho de experimentação, pesquisas e a discussão da linguagem cênica como um fator dinâmico e desafiante. Esse pressuposto pretende corresponder com nossa intenção de propor uma investigação crítica das obras artísticas no seu potencial de produzir conhecimentos. As nossas ferramentas de acesso são dadas por cada evento teatral que nos sugere seguir e respeitar a natureza do fenômeno pelo “o que é” e não pelo “o que poderia ser”. O juízo de valor também se fará presente, pois não somos imparciais, mas nos preocuparemos com a aproximação dialética frente às problemáticas de relação forma e conteúdo. Tentaremos não responder, mas perguntar. Para isso a nossa forma de argumentação crítica precisa ser experimentada e novos problemas precisam surgir.

Notas e Divagações sobre "Êxodos - Eclipse da Terra" do Galpão Folias D'Arte

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Por Rogério Guarapiran

Notas sobre a representação do Grupo Folias D’Arte: Êxodos.

Foi necessário um naufrágio para negar e resistir a um estado de coisas administradas pela lógica totalizante que transforma homem em mercadoria. O Êxodos é o fenômeno social de autopreservação realizado por etnias e povos em situação extrema de ameaça de extinção. Sobrevivência em massa, o risco e o sofrimento de partir para o desconhecido. Da antiguidade até os dias de hoje o fluxo desses povos, por causa de convulsões sociais como guerras, misérias, catástrofes, etc, atomizou-se. Indivíduos ou pequenos grupos fazem migrações e passam pelo mesmo sofrimento de um Êxodos bíblico, agora com uma sorte diversa e talvez até mais penosa, as fiscalizações legais e corruptas, a vigilância permanente, a barreira cultural, o excesso de informação que leva ao engano e todos os aparelhos repressivos de um estado conta o migrante marginalizado.

O grupo Folias insere esse trabalho em sua história de mais de 10 anos de maneira auto-reflexiva em relação a todo seu sistema de construção poética e política. Seus trabalhos sempre foram marcados pelo engajamento político e experimentos da linguagem cênica. Êxodos retrai a dimensão politizante mais visível em outros trabalhos, quando deixa pontos de vistas mais alienados narrarem-se a si próprios com limitações e fantasias, e assim expande a dimensão poética do espaço. A encenação e cenografia trabalharam elementos simples ao máximo, explorando objetos plásticos como uma bisnaga de tinta que usada pelo ator cria espaços, figuras e dimensões dentro da cena. A força dessa ação alarga a experiência da narração, gera um gestus diferente daquele que revela uma indicação da condição social da personagem; é um gestus do ator criador, metalinguagem de significado político muito mais claro que qualquer discurso. As imagens-sínteses das trajetórias foram mais comunicativas do que a construção do discurso falado, a dramaturgia coletiva e finalizada pelo dramaturgo ficou em contraste excessiva, não menos importante, mas redundava em meio a plasticidade cênica mais aberta e menos definidora.

A amarração poética através da narrativa do sonho traz as características do fragmentado e cenas sobrepostas. Na cena é conduzido pelo personagem Anjo e recorta de referências de Garcia Marques no seu realismo fantástico, passagens bíblicas, e citações eruditas e populares sobre o sentimento de despertencimento, deixam o nível da montagem numa alta complexidade de cruzamentos e intertextualidade. Mas devido a um trabalho técnico e intuitivo para amparar ao amplo material, a direção e os atores tiveram a preocupação de revelar o essencial nas trajetórias, embora alguns excessos de verborragia e teoria social fizesse perder o elo com o estado poético. O público nesta peça tem tratamento de personagem em meios aos acontecimentos, somos solicitados a revelar nossos sonhos, incitados a invadir o espaço e dialogar com as figuras, ao fim somos todos náufragos ou sobreviventes. Esse tipo de relação pretende ter o público como agente transformador da peça? Ou é uma forma de controle para convencer o público de que ele tem alguma importância na dramaturgia? O anjo narrador consegue envolver o público numa certa cumplicidade, mas outras personagens narram sua trajetória indiferentes, desfilam, dançam e sofrem sua paixão como uma via crucis.

A representação do Folias está dizendo para mim que a tragédia e sofrimento da movimentação humana pelo globo atravessa toda história se repetindo com algumas diferenças das ordens sociais que mais separa os indivíduos hoje do que os une como antigamente. A globalização pelo capitalismo desperta uma necessidade de circulação, promoção e valorização daquele que se faz my self. E sobre a aparência de livre mercado as pessoas se lançam na aventura do homem em trânsito vigiado.

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Por Antonio Duran

Divagações críticas da peça “Êxodos: o eclipse da Terra”

Em “Êxodos: o eclipse da Terra” surpreende a encenação constituída, destacadamente, pela força lírica de personagens alegóricos que sintetizam em suas trajetórias, entre a esperança e o cansaço, a ambivalente condição humana em busca de sua liberdade, muitas vezes formando quadros vivos que condensam esses sentidos como se fossem pinturas ou fotografias. A ambientação degradante, que remete à crueza das ferragens e ferrugens de um navio, juntamente com a utilização das cores, seja dos objetos, da iluminação, dos figurinos e dos materiais, especialmente as tintas utilizadas pelo personagem Esaú, compõem a potente atmosfera onírico-poética do espetáculo. Inspirada, especialmente, nas obras do fotógrafo Sebastião Salgado e do escritor Gabriel Garcia Marques, a obra realizada pelo grupo Folias D'arte traz à cena personagens que desejam desesperadamente partir, a bordo de um navio, em busca de um sonho, o que torna quase inevitável a pergunta: o que move as pessoas a se deslocar, a migrar? Será unicamente por que se vislumbram melhores condições de vida em outro lugar? Poderia ser a busca de uma paz gerada pela necessidade de pertencer a algo, ou de possuir uma identidade? Ou até mesmo uma estratégia, consciente ou inconsciente, de sobrevivência existencial que exige romper modelos culturais pré-estabelecidos? Por exemplo, toda vez em que se criam expectativas quanto a um determinado comportamento é necessário sair, fugir desse “lugar” de confinamento existencial? Talvez, entre tantas possibilidades, a necessidade da migração seja alimentada pela fantasia de que a mudança para um novo lugar consiga resolver questões existentes, como se ao transferi-las de lugar se pudesse solucioná-las, evitando assim, encará-las de frente?

Sem dúvida, esse exercício pessoal de divagações tributárias a “Êxodos: o eclipse da Terra” ressoa com seu tom onírico. Essas indagações abstratas mais amplas provocadas pelo espetáculo constituem um tipo de exercício intelectual prazeroso, que, no entanto, excita em demasia no espectador a sua esfera mental, mais distanciada, em detrimento de uma mobilização emocional, mais próxima, mais sensorial. A obra propõe um engajamento com o público: num primeiro momento uma viagem coletiva é incentivada pelo personagem anjo-narrador para que os espectadores embarquem numa viagem e tomem decisões juntos com ele. Cria-se então uma expectativa de participação de uma experiência que, mesmo quando a platéia é indagada sobre seus sonhos, ou presenciando de perto os depoimentos dos personagens, não se efetiva, deixando-a apartada do jogo experiencial proposto. Em Êxodos: o eclipse da Terra, a força das imagens poéticas e a intensidade de algumas atuações são insuficientes para atrair e colocar o espectador, seja por qual caminho for, pela via do familiar; do ilusionismo gerado pela identificação com os personagens, ou do seu contrário, pelo estranhamento, em contato com um sentimento mais profundo, talvez mais político, que faria juz à tradição do grupo, de sensibilizá-lo para uma situação social generalizada de não pertencimento, uma sensação de “se estar sem chão”. Destaca-se a exibição de vidas deslocadas que apontam para um mundo sem saída, e nos perguntamos se essa desesperança não vai de encontro a certo tipo de sentimento social antagônico, de um reavivado otimismo conjuntural em um novo ciclo sócio-econômino, impregnado, de certo modo, no imaginário social quanto ao futuro do país. Será que este choque de expectativas é suficiente para compreender a dificuldade do espetáculo em seduzir a percepção de um “espectador-de-uma-representação” para de um “espectador-vivenciador”? Questões que ficam...


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Críticas da peça









Por Rogério Guarapiran
06/07/2010


Este é um exercício de memória esquecida. Baseado na impressão de uma única audiência à representação da peça “In on It” no teatro Faap em meados de março de 2010. Incorro no risco de equívocos e observações obsoletas, mas por outro lado confio na decantação lenta da matéria artística pela experiência e pelo próprio esquecimento ou esmaecimento das imagens.
Neste ponto distante a que me reencontro com o objeto a ser analisado deixo de fora quaisquer descrições objetivas da cena, sinopses, julgamentos de quesitos técnicos da atuação, direção, cenografia, iluminação, etc. Começo a reflexão como saí da peça depois da representação: sem saber a recontar a história e sem saber se isso era uma prerrogativa para o entendimento ou envolvimento com a cena. Com alguma certeza havia no meio da narrativa um relacionamento de companheiros e amantes em que se discutia passagens da vida conjugal. Fiquei preso ao jogo ágil dos atores e à complexidade da dramaturgia que envolvia nossa percepção num quadro fragmentado e de forma polivalente as narrativas se moviam. Era bem claro também a reflexão do papel de cada um dos atores se pensando enquanto personagens e ficção.
A metalinguagem e sobreposições de realidades faz contorcer a imaginação, essa dupla articulação é proposta essencial da dramaturgia e consegue uma teatralidade muito instigante, a capacidade de abrir uma fenda crítica em meio a linha dramática do desenvolvimento da história. Na intenção de mesclar narrativas de momentos paradoxais com diálogos presentes existe uma atitude dramatúrgica aberta que consiste em “construir-se na frente de todos”, trazer ao primeiro plano da ficção as reflexões de como escrever, de como contar e colocar as dúvidas em ação. O dramaturgo é uma força presente e discutida em palco, revela sua concepção, não é um Deus de marionetes, suas criaturas criam a sua revelia, insurgentes da cena, transmitem a sensação de como podemos ser insurgentes contra nossos próprios desígnios, ações e maleitas da vida; tomar a reflexão da vida para a potência de criatividade no momento adverso, signos da não acomodação, da nossa luta perdida contra o fugaz, mas sempre luta.
Tal parece força da dramaturgia através do vigor da encenação e atuação que se apresentam como construtores de bifurcações. Assim como o desafio para o ator de procurar uma dezena de intenções diferentes para uma oração ou período da frase, a direção promoveu a imagem simples de um diálogo a partir de planos diferentes, abriram a cena para caminhos abismais para nossa imaginação, coisas e possibilidades que pensei nos lapsos de segundos talvez nunca mais me lembre, mas fica a sensação que pude entrever uma miríade de possibilidades. As nuances entre o plano da ação presente e as quebras dos atores produziam uma qualidade simultânea de interação e contemplação, solicitados que éramos de atualizar e nos situar perante a representação e jogo dos atores. Como essa qualidade da cena é capaz de ativar e mobilizar áreas imobilizadas da nossa tela mental? Ao ponto que essa narrativa foge às formas prontas de condução narrativa televisiva e cinematográficas, e ao ponto dessa qualidade ser dinâmica e apreensível com esforço alcança uma essencialidade teatral de movimentar imaginações.
A essencialidade da cena é o que restabelece a força e a especificidade do teatro. Criar na imaterialidade das coisas, fazer coisas invisíveis se tornarem visíveis, crer no irreal, imaginar sem imposição, trabalhar para transcender o espaço. O espaço vazio é o ideal de limpar nossas cabeças das pré-concepções ou por em contestação o caminhão de entulho que carregamos para situar e encaixotar os agentes dessa ação. As narrativas são indicações, indícios, pistas de como podemos construir nossos cenários, assim como as reconstituições da cena que nos situam ora num restaurante, num apartamento, numa quadra de tênis e outros, apenas com contornos sugestivos, o entorno é por nossa conta e risco, e aí estamos num lugar muito especial para a atividade de espectador, realmente estamos em situação, responsável pela qualidade de visão e produção imaginativa a partir da instigação cênica dessa obra.


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Por Antonio Duran

É pouco provável sair indiferente de “In On It”. Um teatro contemporâneo potente, realizado no espaço convencional da “caixa preta”, que condensa o texto do autor canadense Daniel Maclvor, a encenação de Enrique Diaz, a iluminação de Maneco Quinderé e as atuações de Emílio de Mello e Fernando Eiras. A direção de Enrique Diaz, diferente de outras experiências anteriores de desconstrução de obras clássicas, como por exemplo, a “A gaivota” de Tchekhov e “Hamlet” de Shakespeare, dessa vez encontrou um texto já desconstruído e se concentrou no essencial: na cumplicidade dos atores entre si e com o público, bem como na afinação da cena com o desenho de uma iluminação primorosa que materializa os mais diversos ambientes, e que desempenha papel narrativo preciso de contar as histórias juntamente com os atores.

Ao todo, uma experiência estética que exercita a sensibilidade e privilegia a relação com o espectador, colocando-o como “protagonista”. Por um lado, um exercício previsível que alcança as expectativas mais reconhecíveis do imaginário estético vigente: da identificação ilusória com os conflitos dos personagens; da mobilização emocional em momentos de tom melodramático. Por outro, um exercício imprevisível, motivado por uma sensação de incógnita, que excita a imaginação, especialmente em decifrar o que é representação e improviso; ou em criar sentido para as diferentes camadas narrativas que se entrecruzam.

Estabelece-se em cena um jogo, que atrai e distancia o espectador entre o que se apresenta como familiar e incógnito, e que dialoga constantemente com o conteúdo da obra. A forma interrompida, permeada por “pequenos finais”, traduz o tema reconhecível da morte, presente na trajetória do personagem que se despede dos seus vínculos afetivos a partir da consciência da morte iminente; ou no processo de separação de uma relação amorosa entre duas pessoas.

O tema do “fim” “transpira” por toda a estrutura de “In On It”, e esta relação passa a constituir o “todo” a ser apreciado. Se, por um lado, é possível considerar essa operação complexa para o exercício da sensibilidade, pois desconhecida, de outro, pode ser facilitada, pois familiar, principalmente se levarmos em conta a existência de certo tipo de sensibilidade urbana contemporânea, acostumada aos procedimentos de colagem e edição da linguagem televisiva e cinematográfica, bem como ao modo fragmentado, e por vezes quase simultâneo, de se relacionar com, e pelo computador.

Nesse contexto, entende-se que “In On It” consegue formar público. Sua estrutura situa-se entre a cena dramática tradicional e a híbrida contemporânea, dando acesso ao espectador de experimentar outros modos de se relacionar com o teatro. Mescla registros convencionais com procedimentos experimentais, como por exemplo, a utilização astuta da metalinguagem: na passagem em que o personagem-autor é contestado sobre o comportamento recorrente de seus personagens femininos, que estariam alimentando um tipo de imaginário comum que vê as mulheres como “fúteis e pouco inteligentes”, abre-se ao público um questionamento sobre a pertinência das escolhas dramatúrgicas. Esse procedimento, além de expor um recurso metalingüístico que mostra o processo de criação de um texto, dialoga criticamente com o espectador e atiça sua curiosidade por exercer o mesmo olhar crítico sobre as histórias que lhe são apresentadas, e aos pressupostos de construção de um texto.

Neste sentido, entende-se que In On It é capaz de proporcionar ao público um tipo de prazer estético obtido por uma dupla mobilização, emocional e intelectual. Os elementos familiares “fisgam” o espectador e mantém sua atenção durante o percurso de criação: seja de nexos, de sentidos ou resoluções. Num jogo bem equilibrado entre o que se apresenta reconhecível e incógnito ao imaginário estético vigente, podendo tornar-se um novo ponto de partida para satisfazê-lo e ir construindo seu gosto.


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Por Beta Nunes

Existem diferentes públicos que freqüentam teatro, mas existem dois tipos bem marcantes, os que aos poucos vão se especializando na matéria e os diletantes, que por amor ao passatempo se dedicam às artes dramáticas. Em conseqüência disso, há também diferentes maneiras de se fazer teatro para corresponder a cada necessidade, principalmente para os dois tipos de espectadores acima citados. O primeiro promove um teatro mais experimental, de pesquisa, geralmente de grupo (no caso de São Paulo, pelo menos) sem maior interesse comercial, já o segundo como visa um grande público em que se acredita sedento de pura diversão e pouca arte, é uma produção mais comercial e quase sempre nada inteligente.

In on it é uma peça que pode interessar tanto aqueles que apresentam uma certa capacidade de avaliar criticamente o que vê, como àqueles que querem apenas ir ao teatro para se divertir. Isto porque a dramaturgia do canadense Daniel Maclover é capaz de realizar um equilibrio fino entre arte e entrenimento. O texto que traz a morte como tema central, é formalizado em cena em espiral, em camadas intermediadas por uma discussão do processo criativo de um autor e de atores -metalinguagem - pela história de uma relação que tem um fim trágico e o esgarçamento na maneira de contar essa história entre os acontecimentos do presente e o do passado.

Essa mistura de estruturas promove uma relação lúdica entre o palco e a platéia, fazendo com que ao mesmo tempo que o público se diverta montando um enorme quebra cabeça, pense sobre diversas coisas. A reflexão gira em torno de dois eixos essenciais, sobre o tema proposto, o fim, a morte e sobre a forma cênica vista. Nesse sentido a direção de Enrique Dias joga com o texto e com atuação dos dois atores para evidenciar o projeto artístico engendrado, qual seja, colocar o público como co-autor do espetáculo.

Para que essa proposta esteja em cena, as atuações de Fernando Eiras e Emílio de Mello dialogam o tempo todo com esse princípio, sendo construidas delicadamente em cima de pequenas gentilezas, atentas aos meandros profundos das intencões cênicas e textuais. Nada é perdido, nem um espirro da platéia, tudo entra em jogo.

Esses aspectos fazem de In on it um espetáculo único, pois o mergulho poético oferecido por dois atores quase desnudos no palco, onde tudo é mínimo, duas cadeiras, um casaco, dois copos de água, aliados a um texto que perpassa do lírico ao dramático olho a olho com o público, é feito nessas diferentes camadas fazendo com que a produção de conhecimento e a tomada de consciência das estruturas entrem em sintonia com o processo que desencadeia o prazer. Esses processos em conjunto, materializados em um mesmo evento teatral estão em contracorrente à cena atual, que ainda crê no discurso politizado, pedagógico, e por isso pouco atraente como único desalienante, onde o sujeito perde espaço para o coletivo. Feita como foi feita, a peça faz ver a fragilidade da vida e a fragilidade da arte como organizadora da atrocidade que é apenas existir.

Que história conta? Bem, esse é o tipo de peça que tem que assistir para saber, não porque apresente um grande mistério que se contado perde a graça, mas por apresentar um único mistério que é cada um ter seu próprio espetáculo compartilhado por todos.

In on it ao não endossar o vício ocidental de dicotomias, de antíteses inconciliáveis reúne num mesmo encontro iniciantes e iniciados para que todos juntos se tornem capazes de montar um grande e delicado espetáculo, pois sua principal característica é não ser isso nem aquilo.

* Mais informações sobre o Trabalho analisado acessem o link:

http://inonit.wordpress.com/

Críticas da peça





















Por Beta Nunes
abril/2010

Em rio de águas pouco profundas, o melhor a fazer é manter-se na superfície. O espetáculo “Jardim Inverso” é um desses casos em que a profundidade é uma busca não realizada, no qual o espectador é convidado a fazer um mergulho que depois se revela impossível. Formado por três peças curtas em que aparentemente uma nada tem a haver com a outra, encontramos, no espetáculo, um ponto em comum: brincar de coisa séria levando a sério a brincadeira. O único problema é que, neste caso, a leveza da brincadeira sobrepuja os temas que oscilam entre o valor da vida e da morte.

A primeira peça, “Sobre a vida, a morte e alguns trocados”, trata da solidão, do encontro, do tempo circular, o sem começo e o sem fim. Para isso parte de questões religiosas até chegar ao desenho animado “A caverna do dragão” da mesma maneira que uma pessoa atravessa a rua na faixa no sinal aberto para pedestre, isto é, sem correr riscos. Nada nem ninguém naquele momento está na beira do abismo. O ator, as personagens e o público, apesar de se encontrarem num espaço em que a penumbra, efeito da experimentação da iluminação descentralizada, poderia causar insegurança e receio, flutuam em águas rasas. Isso porque o encontro entre a prostituta e seu cliente ao tocar na questão contemporânea de quantas coca-colas temos de pagar para não nos sentirmos sozinhos, é solapado repentinamente por uma fala mais rápida, por uma profusão de ruídos, por um gesto teatral, mas descontextualizado. Esses recursos cênicos aliados à dramaturgia frágil, que tenta uma experimentação da linguagem ao se propor uma não linearidade do tempo, acabam por distanciar a platéia desse universo de pouca esperança e muita solidão, o que resulta numa promessa que não se cumpre.

O que interessa na segunda peça, “O Maravilhoso circo vicioso”? A discussão sobre a inclinação do homem em transformar o hábito em vício? Ou o retrato da capacidade de banalizarmos a vida e a morte? Há indícios, os quais acabam não se desenvolvendo, de que a cena vai tratar dos meandros escuros que habitam cada ser humano, tentando trazer essas sombras à tona, por intermédio de um jogo cênico marcado pela troca de registros interpretativos, muito bem executados pelos atores. Num cemitério, dois seguranças discutem se devem ou não matar o assassino do patrão. Através de um diálogo engenhoso, recheado de saídas criativas apoiadas no potencial de cada palavra, e de uma iluminação que busca ser essencialmente a sua própria dramaturgia, a encenação não consegue chegar plenamente no seu propósito. Talvez a premência do texto curto ou o foco maior na experimentação não deixassem espaço para uma imersão maior no indecifrável instinto animal do homem, matar ou deixar viver.

Novamente a morte se interpondo à vida é posta em cena e, mais uma vez, sem a contundência que o assunto merece. O conflito de “Interferência”, peça que encerra o espetáculo, está na discussão de um casal que interrompe uma viagem que estava fazendo para ir à festa de aniversario do pai da moça porque o namorado quer voltar a fim de enterrar um tio repentinamente morto. O que deveria evidenciar posições filosóficas e éticas sobre esses dois extremos que podem um dia se tocar, a festa que celebra o nascimento e o ritual de morte, torna-se uma discussão quase banal das idiossincrasias de cada personagem. Nessa construção dramatúrgica, a mulher acaba levando a pior, por ser mais intolerante, apresentando argumentos nada consistentes para desvalorizar a atitude de seu par. O namorado, personagem mais bem construído, não tem antagonista à sua altura, o que acaba por deixar a tensão um pouco frouxa. Ele não tem como contra-argumentar considerando a exigüidade dos estímulos.

Elemento fundamental para dar unidade cênica a textos díspares, a luz ocupa em “Interferência” um lugar também especial: como nas outras peças, os atores são parcamente iluminados por uma luz fragmentada. Tal recurso deixa clara a pesquisa estética, mas a pouca luz incomoda o espectador, que demora a se acostumar a quase não ver. Principalmente porque, como apontando acima, alguns trechos do texto são falados rapidamente, o que faz com que, às vezes, não seja possível nem ver nem escutar.

“Jardim Inverso”, apesar de ser um espetáculo de enormes potencialidades não realizadas apresenta um projeto extremamente importante e inovador para os quadros atuais da cena paulistana: a proposta de três dramaturgos de encarnarem a função de produtores, convidando a um diretor para montar os seus textos. Por isso, se encararmos que estamos vendo um espetáculo teatral íntegro sim, mas que faz parte de um projeto maior, ainda em processo, não temos porque não aplaudir de pé a iniciativa.

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Por Antonio Duran

Jardim alude ao lugar onde se planta e cultiva, e inverso, a coisas contrárias, opostas, digamos assim, ao estabelecido. Nesse sentido, “Jardim Inverso”, espetáculo composto por três peças curtas, mostra querer fertilizar o teatro com modos não-convencionais, como por exemplo, dispensar um sentido ou moral da história, como frisou a fala de um dos personagens da primeira peça. Direcionamento que apareceu na desconstrução da interpretação naturalista: que destacou alguns gestos formalizados e ações físicas; na iluminação “minimalista” e manipulada pelos atores; na sonoplastia trazida à “primeiro plano” e protagonizada pelo elenco. A proposta de se arriscar e apresentar ao público uma inversão estética, contrapondo o gosto médio vigente para o realismo, é enaltecedora e instigante, como também é a iniciativa da parceria entre o Pessoal do Faroeste e o Centro de Dramaturgia Contemporânea (CDC) para a encenação de textos de novos dramaturgos. Ao assumir riscos, o espetáculo parece juntar propostas de ruptura que acabam se sobrepondo ao texto, diminuindo sua capacidade de comunicar. Esses procedimentos epicizantes reduzem do espectador a possibilidade de se mobilizar, de se deixar envolver. Este sentido de mobilização refere-se aos mais variados modos de se manifestar a fricção entre emoção e razão, entendida aqui como atividade emocional-reflexiva que apóia a criação da interpretação da obra. Nota-se esse tratamento distanciador nos vários elementos que compõem o espetáculo: na atuação, alguns gestos formalizados e falas demasiadamente rápidas e intensas, principalmente dos dois seguranças da segunda peça; na sonoplastia que chamava a atenção pra si ao mesmo tempo em que a afastava da ação. No caso da iluminação, esta pareceu travar diálogo pertinente com os espaços pouco iluminados (bar-boate, cemitério e acostamento de uma estrada ao entardecer) onde se passavam as histórias. Luz inventiva, por “minimalista” e enigmática, provocou incômodo pela dificuldade de se observar as expressões dos personagens, principalmente da atriz da primeira peça. Ao mesmo tempo, despertou a vontade de decifrá-la e estabelecer possíveis nexos com os conteúdos apontados pelos textos. O que não se efetivou.

Ficam no ar algumas interrogações a serem levantadas sobre possíveis relações entre texto e cena, forma e conteúdo. Os temas tratados se mostraram instigantes, principalmente porque engendrados habilmente em criativas situações inusitadas. Na peça “Sobre a vida, a morte e alguns trocados”, trava-se um diálogo entre uma garota, que viveu muito tempo sob um falso moralismo puritano-religioso e que recentemente se vê diante da possibilidade de ser dona do seu próprio desejo perante um jovem aparentemente amoral e crítico de uma realidade “que corrói a gente” e que parece defender o lado mais fantasioso e ficcional da vida.

No contexto de um acerto de contas por um assassinato, na segunda peça “O maravilhoso circo vicioso”, revela-se o dilema ético, de cumprir ou não o combinado, passando pela discussão sobre a existência de deus, e expondo a imagem de um ser humano refém dos seus hábitos, dos seus vícios. Seja por fumar ou matar.

Na última peça “Interferência” a exaltação da vida, por um lado, e a necessidade do cumprimento de um ritual-homenagem, por outro, levantam a questão do confronto entre a realidade e a fantasia, assunto que se coloca novamente como na primeira peça.

Por fim, esses potentes temas levantados deixam a impressão de que foram interrompidos abruptamente (talvez propositadamente), deixando o desejo de maior aprofundamento; como no delicado dilema vivenciado pelo personagem Vitor na peça “Interferência”, que parecia tentar encontrar, pelo diálogo, um significado, um sentido para ir ao enterro do tio. Esse desenvolvimento é repentinamente chaveado para as pirraças da namorada. A argumentação, que poderia revelar uma suposta profundidade dos personagens, foi trocada pela exposição unilateral, e ao mesmo tempo estereotipada, do temperamento imaturo de Marina.

Esta versão crítica tentou minimamente (consciente que ficou aquém) exercitar a exploração de sentidos e travar diálogo com o objeto artístico “Jardim Inverso” naquilo que ele tem de melhor: experimentar e encarar riscos.

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Por Rogério Guarapiran

Jardim Inverso, qual seria o enigma por trás?, como seria um jardim invertido? O jardim é uma forma de controlar e organizar a natureza, uma cultura, uma ação sobre o desordenado e selvagem estado. Inverter a lógica do jardim seria intervir o menos possível, exercer o menor controle e o desenvolvimento seria a auto revelia propiciando a libertação dos elementos organizados.

O Centro de Dramaturgia Contemporânea, com Luis Eduardo, Drika Nery e Dênio Maués, estréia seus trabalhos a partir de um modelo de produção corajoso e instigante. A peça é composta por três cenas autônomas, mas que se coincidem pela essencialidade do diálogo ágil e ações urbanas, também um pouco pela inconclusão das histórias.

A iniciativa dos autores se envolverem na produção geral do espetáculo e convidarem o encenador Paulo Faria (também dramaturgo), garante-lhes a chance de um aprendizado efetivo das dificuldades extra-literárias da montagem e o acompanhamento da apropriação do texto pela encenação e atores. Esse processo é por si uma relevância e resistência num cenário de escassíssimas empreitadas para encenar dramaturgias contemporâneas e mostra-nos uma estratégia a ser assimilada e aperfeiçoada.

Ao encerrar a peça tive a impressão de ter enfrentado uma grande quantidade de interferências, ruídos, quebras, teatralidades que competiam com a concentração que os diálogos pareciam exigir. Mas consegui me divertir com algumas piadas sobre as circunstâncias inusitadas que envolvem as personagens, e achar bem interessante como cada cena cria seus propósitos para divagar sobre conteúdos universais: a vida, a morte, deus, a solidão, o trabalho, etc. Então aquela profusão de impedimentos e interrompimentos são por certo intencionais. Seriam essas barreiras impedimentos para não nos indentificarmos com as personagens e despertar nosso “racional” mesmo quando os conteúdos de cada cena apontam para os aspectos “irracionais” das relações, e possuem um diálogo enviesado que dificulta a empatia?

A montagem, em sua primeira temporada, possuia um flerte com o cabaré, isso era nítido no primeiro local que foi encenada, no espaço Next, um estilo rápido e irônico caía bem na combinação da descontração do espaço, a luz tinha mais caráter de arranjo harmonizado com o local, misto de precário e exótico. Em cartaz na sede Faroeste Luz, o espaço apesar da profundidade deixou a peça mais chapada na relação com o público e tendeu ao adensamento da forma, ao que não correspondeu a concepção de todos os níveis, os textos pareceram carecer de aprofundamento, e a encenação ligeira e amaneirada disparatou, chamando atenção para coisas assignificantes, a luz ficou mais bonita e esteticamente colocada, mas dissonava com o estilo de interpretação entulhada de registros farsescos e gestos aleatórios.

Voltando a pensar aos óbices da encenação, no percurso de cada dramaturgia e na ligação do todo, eles podem ser provocadores ou simplesmente atrapalhar e chatear nossa disposição de viajar junto com as propostas imaginativas dos autores. Minha hipótese crítica seria tentar agora achar brechas nos textos, encenação, interpretação e elementos de cena que nos permitissem ser mais co-participativo e menos contemplativo.

Na primeira cena “Sobre a vida, a morte e alguns trocados”, de Luis Eduardo destaca-se a condensação temporal do encontro entre um homem e uma mulher num bordel, sem cortes, várias noites se sucedem e a sensação linear esconde um processo fragmentado. Possui alguns conteúdos latentes sobre a circularidade e repetição da compulsão humana, deixa a impressão de retorno, as falas apontam metáforas para vislumbrar o desejo pelo inacabado, mas o diálogo não é a própria forma, apenas fala sobre o mistério, o seu desvio é sua incontinência através de historietas da caverna do dragão que subterfugiam o parafuso de rosca infinita que a estrutura anuncia. O sombrio das luzes mínimas pretende dar conta do enigma que há no encontro e sobre o que cada personagem procura no outro, seria a parcela de desconhecimento e impossibilidade de alcançar o desejado.

A segunda “O maravilhoso circo vicioso”, de Drika Nery, divide a tensão entre o dizível e o visível, em nosso campo de visão estão dois seguranças que cercam um assassino; e a expectativa do fora, o encurralamento de quem só sabemos por dizer. A sugestão pelo “circo vicioso” implica um registro clownesco onde as identidades antagônicas provocam-se e equivocam-se num jogo escalar para o atraso do desfecho. Nesse registro de linguagem, historicamente difundido, a carga está nos atores que precisam dominar o tempo e o jogo na assimilação da resposta imediata do público, exige desenvoltura de comediantes. O diálogo é fluente e chistoso, deixa a impressão de uma HQ com pretensão cômica e trapalhonesca. Aqui a luz surge de uma enxada um tanto esdrúxula, por que a relação dela com a cena parece mais uma estetização do precário e rústico instrumento naquela função. Cheguei a pensar que podia ser uma pá, seria pelo menos um instrumento que se relacionasse com o cemitério, onde se passa a cena.

Na terceira “Interferência”, de Dênio Maués, ressaltaria um processo mais cinematográfico, o casal na beira de estrada discute sobre uma questão que os divide e depois um salto temporal e espacial reencontramo-los a discutir as conseqüências de suas decisões, esse passe faz nossa percepção tentar amarrar as duas pontas do abismo premeditado. O fluxo do diálogo é bem realista e os embates revelam caráter psicológico de cada personagem, divididos pela vida e morte, essa particularização de composição de personagens parece ser uma metáfora para alicerçar o dualismo dos temas. Porém o que parecia concreto e pedia um desenvolvimento racional pelo menos nas idéias se desmancha perdido nas ondas de um rádio. A volatilização do pensamento da personagem feminina prejudica o embasamento que a cena apontava, e mistifica o problema o desfecho alienando-se do fulcro do nosso destino.

Na interpretação as rápidas execuções dos atores escalpelaram o silêncio qualquer que fez falta para manter a capacidade de irmos junto ou mesmo distanciado com as ações, conseguiram deixar alheado o espectador com a forma apressada de interpretar.Não seria o efeito do alheamento um sintoma de subestimação do poder co-participativo do espectador? Os gestos construídos não formavam linguagem, o gesto construído, signos do corpo, não tinham conectivos, morriam ao nascer e disputavam aleatoriamente a significação sem paralelo no interior de cada cena. Uma linguagem se constitui pela repetição criativa de um finito número de elementos. Quando se articula gestos e sons de qualquer origem temos só gestos e sons sem sentido.

É da encenação uma componente histérica que faz mudar registros de corpo, voz, caráter e linguagem teatral, esse disparatado jogo de códigos aparece como comentário-deboche frente a conteúdos dos textos. Descredibiliza qualquer pretensão de discussão desses conteúdos. Exigi-se do espectador seriedade e concentração para limpar essas oscilações que são mais alterações de superfície, impulsos epidérmicos de transformações do que um mergulho na investigação sobre correspondência texto-cena. O uso do utilitário do baú de referências de jogos teatrais resvala anedoticamente nas potencialidades descritas, que considero linhas de força da dramaturgia. Agora, a tarefa de limpar-se desse jogo frenético pode ser produtiva se conseguirmos entrever caminhos que nos entregue a especulação proposta em cada cena.


* Mais informações sobre o Trabalho analisado acessem os link’s:

http://pessoaldofaroeste.blogspot.com/2009/11/jardim-inverso.html

http://centrodedramaturgiacontemporanea.blogspot.com/